Opinião

O ocaso da Bardella: o pavoroso significado do destino de uma empresa

Ao cabo de 108 anos de atividade bem-sucedida, a Bardella tem de frequentar a antessala da falência, e o fato é claramente simbólico

Claudio Bardella, um líder empresarial como não se fazem mais. | Foto: Acervo CartaCapital
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A Bardella, empresa de bens de capital, entrou em concordata, hoje rebatizada recuperação judicial. Recordo a celebração de um aniversário da Bardella e lá estavam, a prestigiá-la, as figuras mais significativas do empresariado brasileiro. Foi festa memorável e totalmente merecida por quem contribuíra de forma tão importante para a consolidação da nossa indústria.

Por Claudio Bardella, timoneiro dos longos anos de sucesso, tenho uma antiga amizade carregada de boas recordações, algumas especialmente notáveis, sobretudo nos dias de hoje. Claudio integrou um grupo de empresários que, ainda na década de 70, tomaram uma desassombrada posição contra a ditadura, e ali se destacavam lideranças empresariais como Einar Kok e José Mindlin, e deste primeiro movimento de resistência originaram-se os documentos emitidos pelo Fórum da Gazeta Mercantil em 1978 e 1983. Tratava-se de manifestações firmes e diretas, impregnadas de espírito democrático.

Voltam à memória ardentes reuniões na casa de Severo Gomes, levado pelo impulso nacionalista a se afastar do apoio inicial à ditadura, da qual aceitara ser até ministro, e nelas Claudio desempenhava um papel importante com a graça e a elegância que lhe são peculiares. Quatro décadas se passaram e a comparação entre aquela época e a atual está além de desoladora. A visão correta da situação precipita pavor e vergonha.

Ao cabo de 108 anos de atividade bem-sucedida, a Bardella tem de frequentar a antessala da falência, e o fato é claramente simbólico do desastre geral. Vale entender seu significado: empresas de bens de capital funcionam como alavanca do progresso industrial no topo da linha, vitais no fornecimento dos instrumentos deste mesmo progresso. Não é tudo, entretanto, nas nossas penosas circunstâncias faltam as lideranças de outros tempos, sobram a covardia de um empresariado seduzido pelo rentismo e pronto à genuflexão diante do vociferante ex-capitão e da sandice irremediável, salvo mais esperançoso juízo, de um pretenso governo sem rumo entregue à demência.

As razões desta decadência parecem claras, embora nos empurrem até a conclusão inescapável, resumo da ópera terrificante: somos o que registra o nosso DNA e exala malignidade das entranhas da terra, contra a vontade da natureza, a nos credenciar a um destino bem diferente. Somos velhacos e primitivos, na própria ignorância, próxima do oblívio, reservada à senzala, naufraga a casa-grande que cuidadosamente a programou.

Os últimos lances da tresloucada aventura que o País vive trazem à tona as inomináveis mazelas da Lava Jato e dos seus intérpretes, e a decisão, que cabe nesta moldura, de transferir Lula condenado sem provas de Curitiba para São Paulo com o transparente propósito de ampliar a vingança contra o melhor governante do Brasil na história recente e nem tanto, e desviar as atenções das revelações do site The Intercept. O STF, desta vez, cuidou de recolocar a questão nos trilhos certos ao vetar a transferência.

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