Política

Consórcio do Nordeste é revolucionário, defende o governador Rui Costa

O governador da Bahia falou ainda sobre a reforma da Previdência, o governo Bolsonaro e o 1 ano da prisão de Lula

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Rui Costa obteve na Bahia uma das vitórias mais consagradoras das eleições de 2018. Reeleito no primeiro turno, o petista obteve 75,7% dos votos válidos, consolidou a hegemonia do partido no estado e tornou-se um dos símbolos da resistência nordestina à avalanche bolsonarista. Enquanto o governo de Jair Bolsonaro se afunda em suas próprias estultices, Costa acaba de ser escolhido para coordenar o consórcio dos estados do Nordeste, uma ideia inovadora que pretende baratear as compras públicas e permitir a aplicação mais eficiente dos impostos dos cidadãos da região. Fazer mais com menos, prometem os governadores. “O consórcio vai permitir aos estados superar este momento de dificuldade do País”, afirma. Na entrevista a seguir, Costa critica a reforma da Previdência e a beligerância de Bolsonaro, que prejudica a imagem internacional do Brasil. “O que ganhamos com polêmicas inúteis?”, pergunta.

CartaCapital: Qual o objetivo do consórcio formado pelos estados do Nordeste?

Rui Costa: Trata-se de uma ferramenta de gestão que busca qualificar o gasto público e facilitar a cooperação mútua entre os nove estados nordestinos em segurança, educação, saúde, infraestrutura. O consórcio vai propiciar uma redução de custeio importante. A Bahia, o maior estado do Nordeste, com a maior população, tem 15 milhões de habitantes. Na região toda, são 54 milhões. Imagine a economia que faremos em licitações conjuntas de equipamentos, de remédios, etc. É outra escala. Poderemos até fazer licitações com fornecedores internacionais. Acreditamos que o consórcio vai permitir aos estados superar este momento de dificuldades do País. Faremos mais com menos, além de compartilhar ações efetivas.

CC: De que tipo?

RC: Recentemente, os estados nordestinos foram solidários ao Ceará, que enfrentava uma grave crise de segurança. Foram enviados policiais e equipamentos. A criação do consórcio vai tornar esse processo mais ágil. Vamos melhorar bastante a prestação de serviços em toda a região.

CC: Como será possível garantir a transparência dos processos?

RC: As ferramentas existem. Todos os processos de licitação serão eletrônicos, o que permite a participação de fornecedores de qualquer parte do Brasil ou do exterior. A fiscalização ficará a cargo dos Tribunais de Contas. Serão nove órgãos de controle envolvidos na análise dos contratos, o que aumenta a transparência. Iniciamos conversas com a Advocacia-Geral da União e com a Controladoria-Geral da União. Eles estão entusiasmados, querem participar, contribuir. Quanto mais gente envolvida, melhor será.

CC: Embora ferramenta de gestão, o consórcio é mais um passo nas relações políticas entre os estados. Essa parceria nunca foi tão forte, certo?

RC: Essa aliança nasceu, diria, da identidade do Nordeste, não de uma combinação prévia entre os governadores. Nos 15 anos de administração Lula e Dilma, a região viveu um crescimento extraordinário, acima da média nacional. Na Bahia, tínhamos uma universidade federal. Hoje são seis. Havia uma escola técnica. Atualmente são 35. E assim foi em diversas áreas. O Nordeste percebeu que a expansão da economia está ligada à distribuição de renda. Ficou nítido que esse modelo faz bem ao País, não o seu contrário. Esse sentimento foi esteio para a unidade dos governadores, muito sólida atualmente.

“Os nordestinos perceberam que a expansão a economia está ligada à distribuição de renda”

CC: Os governadores também estão unidos na crítica a vários pontos da reforma da Previdência. O que seria inaceitável na proposta do governo Bolsonaro?

RC: Quatro pontos são intransponíveis. O primeiro é impedir que a regulamentação da Previdência saia da Constituição e seja feita por lei complementar. A aposentadoria é um planejamento de vida. Em qualquer lugar do mundo civilizado, as regras são estáveis, perenes. Por isso precisam estar inscritas na Constituição. O segundo é evitar o modelo de capitalização. É muito perverso. Alguém que ganha salário mínimo e tem, na maior parte da vida, um trabalho informal nunca conseguirá poupar. A capitalização pura e simples só foi implantada em países periféricos do mundo capitalista. Nenhuma nação economicamente relevante o adota. Onde ele foi adotado tornou-se uma catástrofe. Milhares de idosos vivem na miséria, na extrema pobreza. O Chile é um caso muito próximo. A capitalização, além do mais, mataria o sistema previdenciário. Os novos trabalhadores deixariam de contribuir para o regime de repartição, o que aumentaria o rombo da União, estados e municípios. Também não concordamos com as mudanças na Previdência Rural e no Benefício de Prestação Continuada, que garantem o sustento de milhões no campo e na cidade.  

CC: Qual seria o tipo de reforma necessário?

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RC: Acredito em uma atualização das regras, relacionadas ao aumento de expectativa de vida e a um ajuste do modelo que aproximasse os sistemas público e privado. Os governadores do Nordeste topam discutir esses pontos se os quatro itens que citei anteriormente forem retirados da pauta. De qualquer forma, não acredito que a reforma da Previdência, por si só, vai tirar o Brasil da situação calamitosa em que se encontra. O mais importante seria o retorno da estabilidade institucional, o fim desta crise entre os Poderes, que parece não ter fim. A credibilidade internacional do País está severamente comprometida. Quem vai querer investir aqui? O diálogo e o entendimento precisam vencer o ódio e o preconceito.

CC: A oposição tem cumprido o seu papel?

RC: Em toda democracia, é natural que os perdedores da eleição recolham as armas por um tempo e permitam aos vencedores organizar o governo. Infelizmente, não aconteceu no caso da Dilma Rousseff, mas vivemos agora as consequências. Passados quase três meses, este governo não mostrou, porém, a que veio. Não há projeto para a saúde ou para a retomada do crescimento. Na educação, não se sabe nem quem manda. É um desastre.

“O comportamento de Bolsonaro corrói a imagem do Brasil”

CC: Com consequências nas relações internacionais, não?

RC: O que o País ganha, o que a economia brasileira ganha, quando o governo se mete em uma polêmica inútil a respeito de em qual cidade deve ficar a embaixada em Israel, se em Tel-Aviv ou Jerusalém? O Brasil é reconhecido na diplomacia por sua imparcialidade, a favor da autodeterminação dos povos. Não temos o hábito de nos intrometer em conflitos entre nações. Ao contrário, sempre atuamos em missões de paz. Como vai ficar o agronegócio, que apoiou fortemente o atual presidente, se os árabes resolverem boicotar os produtos brasileiros por causa de uma decisão dessa magnitude? Da mesma forma, o que vamos ganhar com a intromissão nos assuntos internos da Venezuela? O único resultado será atrair a ira de outros países, com reflexos sobre o saldo da balança comercial, tão essencial para a sustentação da economia.

CC: Bolsonaro governa como se estivesse em campanha permanente?

RC: O comportamento geral dos integrantes do governo alimenta a beligerância, um ambiente de guerra. Mas a campanha eleitoral acabou. Eles prolongam a difusão do ódio e da raiva. Não vamos a lugar nenhum dessa forma. Vamos pensar na ideia de comemoração da ditadura no dia 31 de março. Que país civilizado do mundo celebra a violência, a tortura, o aniquilamento do adversário, um golpe de Estado? Esse comportamento também afeta a nossa imagem internacional. As nações e as grandes empresas querem consumir de quem respeita o meio ambiente, a democracia, os direitos individuais. A posição do Bolsonaro sobre este e outros temas corrói, corrompe a imagem do Brasil no exterior.

CC: Em 7 de abril, Lula vai completar um ano na prisão. O senhor ainda espera que as condenações do ex-presidente sejam revertidas nas instâncias superiores?

RC: Trata-se da maior injustiça que assisti na minha existência. Se alguém um dia me apresentar provas de crimes cometidos pelo ex-presidente Lula, me calo e aceito. Mas até hoje elas não apareceram. Ao contrário. A única prova cabal é do julgamento político. O juiz Sérgio Moro, algoz do ex-presidente, tornou-se “superministro” do maior beneficiário da condenação de Lula, impedido de disputar as eleições. E é cotado para ser o candidato presidencial daqui a quatro ou oito anos.

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