Política

“País está cansado moralmente”, diz autor de ficção sobre extrema-direita

Sem se referir explicitamente à vitória de Bolsonaro, obra de Nitish Monebhurrun expressa preocupação com os novos rumos políticos do país

Manifestantes em Brasília protestam contra a corrupção em dezembro de 2016
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O avanço da candidatura de Jair Bolsonaro no período que antecedeu a campanha para as eleições de outubro de 2018 motivou o professor de Direito Nitish Monebhurrun a escrever um livro para expressar sua preocupação com a nova orientação política que conquistou o país.

Nascido nas Ilhas Maurício, ex-colônia francesa e britânica, Nitish se instalou na França onde se formou e seguiu carreira acadêmica na Universidade Sorbonne e também na Holanda, antes de se radicar no Brasil, em 2011.

Atualmente professor de Direito no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Nitish Monebhurrun publicou vários livros na área jurídica, mas se enveredou pela ficção para revelar sua percepção do momento crítico para o país com a proximidade das eleições.

“O livro nasceu de uma preocupação minha, em 2017, de ver a sociedade brasileira caminhando para as eleições, e de ver uma elite desconectada com a realidade, e de não prever a chegada do movimento de extrema direita”, explicou. Ele se surpreendia com as reações de muitos colegas que rejeitavam a hipótese da chegada ao poder de um um candidato que representava posturas extremistas.

“Primeiro pensei em escrever um ensaio para tentar entender o início desse movimento, que queria chamar de ‘os fracassos do Brasil”, mas não teria tanto impacto. Decidi então retraçar minhas ideias de maneira mais suave, em forma de romance”, justificou.

Com um título provocador – O assassinato do presidente do Brasil (Ed. CataLivros) –, a ficção foi escrita antes do início da campanha eleitoral, mas com o enredo que projeta o país em 2024, com os reflexos da vitória de um projeto de governo propalado pelo candidato do PSL.

Nitish optou pela distopia, termo literário para situar uma história que se passa no tempo futuro, para extrapolar uma realidade que julga preocupante. O livro é narrado por uma jornalista com experiência na França e em coberturas de guerra que decide se instalar no Brasil para aceitar um novo desafio na carreira.

Entre os protagonistas da trama está um professor de Direito que decide matar o presidente da República, argumento central da obra. “Entre as motivações parciais deste professor está a observação de uma negligência sobre a educação, de que investimentos na educação e na cultura ficaram restritos à periferia e não é importante investir nos recursos intelectuais do país”, argumenta.

Críticas à sociedade brasileira

No livro, Nitish expõe seu olhar de estrangeiro sobre a sociedade brasileira e não poupa muitas críticas sobre anomalias que identifica no sistema como, por exemplo, os excessos de privilégios que observa no Poder Judiciário.

“Eu não entendo como a Corte Suprema do Brasil, o STF, cujo objetivo é proteger a Constituição e manter os princípios de igualdade, estabelece como prioridade correr atrás do auxílio-moradia, e colocar isso como o cerne de sua atuação. Eles não querem ver que compõem a corporação que mais ganha no Brasil e ainda querem ganhar um auxílio-moradia cujo valor é quatro vezes mais alto do que o salário mínimo. Eles não veem que isso é uma demonstração flagrante da desigualdade que caracteriza a sociedade brasileira”, afirma.

Sem se referir explicitamente no livro à vitória de Bolsonaro, para não configurar uma propaganda ao então candidato, Nitish optou por apresentá-lo como alguém “que abre as comportas da extrema direita, que se sente mais confortável, mais segurança e mais dominante” ao assumir o poder. “Minha ideia foi mostrar que o que aconteceu em 2018 foi liberar a verdadeira extrema-direita, se posso falar assim, para 2024.”

Em mais de oito anos no Brasil, o professor de Direito admite ter utilizado a obra para expor sua visão do país e sua opinião sobre os valores que caracterizam essa sociedade. “O Brasil é um país rico, com muitos recursos, de maneira geral, e humanos, antes de tudo. Muitas vezes esses recursos são negligenciados e mal utilizados”, declarou.

“As pessoas são muito trabalhadoras, muito produtivas quando querem, mas as políticas públicas falham”, afirma.

O professor e escritor tentou fazer dos personagens do livro e de suas interações um reflexo da sociedade brasileira, que segundo ele, anda muito desgastada com a situação do país.

“Acho que essa sociedade está um pouco cansada, não no sentido físico, mas intelectual, moral. Isso foi muito palpável nas últimas eleições. As pessoas não tinham tempo nem paciência para discutir, pesquisar para discutir com argumentos e serenamente. Preferiam mostrar o lado negativo que têm, da raiva, da birra, de querer conflitos, mas não querer solucioná-los”, concluiu.

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