Política

Marcelo Freixo: “Não iremos construir uma aliança que derrote Bolsonaro sem ter o PT”

Psolista fala sobre a desistência em disputar a prefeitura do Rio e como a união do campo democrático pode derrotar o bolsonarismo

Lula e Marcelo Freixo Foto: reprodução
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A desistência de Marcelo Freixo (PSOL) pela candidatura à prefeitura do Rio, mesmo que as pesquisas indicassem um empate técnico em primeiro lugar na disputa, tem uma motivação clara nas palavras do deputado: negar-se a dividir ainda mais o que chama de “campo democrático”. Desde o ano passado percorrendo convenções e se reunindo com lideranças partidárias para formar uma frente única, Freixo alcançou o apoio do PT, mas não conseguiu convencer outros partidos, como PSB e PDT, além de contar com oposição dentro do próprio PSOL – o deputado federal David Miranda colocou-se como adversário nas prévias.

Se for “para contribuir na divisão”, o deputado afirma que prefere não disputar o que seria sua terceira eleição municipal na cidade, uma vez que a continuidade do bolsonarismo “pode representar o fim da democracia brasileira”, seja com um golpe ou nas eleições de 2022, pleito cuja realização Freixo é cético em acreditar. Ainda que seja “um desejo”, o impeachment é visto neste momento com reservas pelo parlamentar, que pede pela união do “campo democrático” com vistas a rachar o centrão e abrir espaço para a diminuição do apoio institucional ao presidente.

CartaCapital: De alguma forma o senhor ficou ressentido com o que aconteceu no PSOL?

Marcelo Freixo: Não, ressentimento é um sentimento muito pequeno. No PSOL a gente tinha ampla maioria para aprovar nossa chapa. É claro que cansa e desgasta ter um setor sectário sendo inconsequente diante do fascismo e lançando candidaturas, mas não é impeditivo. O que houve é uma impossibilidade de alianças num campo maior da esquerda, também nacionalmente: o fascismo está sendo implementado e o campo democrático debatendo seus projetos partidários e pessoais como se nada estivesse acontecendo. Isso é muito grave, porque tanto o Bolsonaro dar um golpe de estado, quanto ele ganhar a eleição de 2022 pode representar o fim da democracia brasileira. E o campo democrático tem que ter um projeto em conjunto. Qual deve ser? Deve ser em cima da desigualdade social com destaque para quatro eixos: reforço do SUS, educação, segurança pública e proteção ambiental, porque são os pobres que morrem com a deficiência desses segmentos. Temos que ter esse projeto e nele ter todo mundo: o Ciro (Gomes), o (Flávio) Dino, o (Fernando) Haddad, a Manuela (d’Ávila), para que possamos derrotar o fascismo. Isso para mim é prioridade, mas não é o que está acontecendo.

CC: Esse tipo de projeto não é o que a esquerda sempre propôs?

MF: Mas precisamos ser programáticos e unidos nesses quatro eixos, algo que reúna todos esses campos de defesa à democracia, baseados na Constituição de 88. Bolsonaro é um projeto de fascismo, não é só uma pessoa fascista, temos que lembrar sempre disso.

Estou falando de uma união do campo democrático, não só da esquerda

CC: O senhor diz que já vivemos num regime fascista. Falta esse reconhecimento para outros partidos?

MF: Na verdade, acho que todos já enxergam assim. Não tenho dúvida, por exemplo, de que o Ciro ou o Carlos Siqueira (presidente do PSB), vejam dessa maneira. O problema é você ter táticas que possam ser mais coletivas e calcadas em um projeto de fato eficiente contra o bolsonarismo. Podem até dizer: “Ah, mas o PT é muito hegemonista”. Independente disso ser ou não verdade, o fato é que não iremos construir uma aliança que derrote Bolsonaro sem ter o PT junto. Pode não ter o hegemonismo do PT? Pode e deve, mas achar que é preciso derrotar primeiro o PT para depois derrotar Bolsonaro é um erro.

CC: Com essa desistência, o que o senhor espera que aconteça?

MF: Já está acontecendo. Não estou saindo da luta, mas de uma divisão que não concordo. Com esse gesto, eu busco unidade. Não vai ser da noite para o dia, nem vai ser fácil, mas o debate está estabelecido. Se desse debate vai sair algo mais programático, não sei, mas meu desejo é que esse gesto gere mudanças em todos, no PSOL, no PSB, no PDT, no PT, e que a gente consiga arregimentar mais gente buscando essa unidade, o que acho que é possível. O Dino e a Manuela já sinalizaram nessa direção e até agora a repercussão que tive dessa minha decisão foi muito boa. Isso aponta para um desejo da sociedade para que essa união aconteça.

CC: Como principal nome da esquerda no Rio, desistir da candidatura não a deixa mais enfraquecida?

MF: A esquerda já sairia enfraquecida se disputasse dividida, comigo ou não. Vamos ficar discutindo isso enquanto pode não haver próxima eleição? Quando pode haver golpe de estado? Estamos falando de pessoas que pedem o fechamento do Congresso, do Supremo, e é isso que está em jogo, e não se a esquerda vai ser menos ou mais forte. Certo, iria conseguir chegar bem no segundo turno no Rio de Janeiro, mas com o fascismo caminhando a passos largos?

CC: Somente essa união parece suficiente contra o bolsonarismo?

MF: Estou falando de uma união do campo democrático, não só da esquerda. E aí são várias as estratégias diferentes. Uma aliança eleitoral, é lógico que tem o critério eleitoral de um programa. Ao mesmo tempo, você tem uma outra possibilidade de aliança que é de derrotar um projeto fascista, como teve no Congresso por exemplo, quando aprovamos a renda básica, que de 200 reais foi para 600 reais. Isso foi uma união do campo democrático, que também contém uma direita democrática. O que estou defendendo é uma aliança progressista no campo eleitoral e outra democrática contra o fascismo. São distintas, mas muito importantes.

CC: O senhor, de alguma forma, conta com o impeachment?

MF: Não estou contando justamente porque sei fazer conta e não tem voto para aprovar. É lógico que o impeachment é um desejo, não tenho a menor dúvida de que Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade e acredito que ele merece passar pelo processo. Mas temos que ter voto e quem tem o centrão hoje é ele.

CC: Uma união dos pedidos de impeachment na Câmara ajudaria?

MF: Isso não vai acontecer por enquanto, lamentavelmente, porque essa divisão do campo progressista e democrático também acontece aí. De todo jeito, não resolveria agora, mas um pedido conjunto é uma coalizão de forças que pode ir crescendo e funcionar mais tarde.

CC: Como virar esse jogo?

MF: Bolsonaro tem 200 votos do centrão e 30% que consideram seu governo ótimo ou bom. Se nós não reduzirmos o apoio popular e não avançarmos provocando rachas no centrão, não tem impeachment, o presidente cometendo quantos crimes quiser. A Dilma (Rousseff) não cometeu crime de responsabilidade e foi caçada, Bolsonaro cometeu e não é impedido. Isso é sinal de que não é o crime de responsabilidade que define o impeachment. É apoio popular e voto no Congresso, duas coisas que não temos ainda e que só deve ser construído com unidade no campo democrático.

O bolsonarismo não começa nem termina com o Bolsonaro. Mas é claro que o impeachment mexe bastante com esse tabuleiro

CC: E de que forma é possível rachar o centrão?

MF: Você tem que conversar, é assim que se resolvem as coisas no Congresso. Há muitos deputados da base que não querem Bolsonaro e a gente deve ter a capacidade de atraí-los para o campo democrático. Ao mesmo tempo, devemos explorar as contradições e aí é política. O presidente vive dizendo que não distribui cargos e é o que está fazendo agora, então temos que denunciar esses acordos: o quanto ele está cada vez mais aliado à tropa de choque do Eduardo Cunha, o quanto entrega cargos, o quanto faz a velha política, o quanto tem relações com a milícia. Devemos ir minando a capacidade que ele tem hoje com verdades, com fatos, porque se Bolsonaro cai para 15% de aprovação, aí fica muito mais difícil para ele. Muitos deputados estão com o presidente justamente porque ele tem 30%. Se você reduz essa porcentagem, fica mais difícil de segurar os deputados.

CC: Bolsonaro está realmente tão preocupado com o impeachment?

MF: Também. Por um lado, o que ele quer é não ter nenhum risco de ser impedido, por outro ele busca essa governabilidade dentro da Câmara para disputar a sucessão da presidência da Casa. O centrão, por sua vez, tem vários líderes que querem estar com o governo para escapar da Lava Jato e, ao mesmo tempo, busca cargos no Nordeste para fazer frente aos governos progressistas que existem lá.

CC: O presidente ganhou ao conseguir mudar a superintendência da Polícia Federal no Rio, como queria?

MF: Tenho dúvidas e só com o tempo vamos ver. Acho que a pressão que foi feita na sociedade também mexeu muito com as forças internas da polícia. Muitos dos seus setores internos não querem se submeter ao Bolsonaro.

CC: Adianta trocar Bolsonaro por Mourão?

MF: O projeto continua claramente sendo autoritário e o bolsonarismo não começa nem termina com o Bolsonaro. Mas é claro que o impeachment mexe bastante com esse tabuleiro.

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